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domingo, 27 de novembro de 2011

A cartomante

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos e de Bruna, sua amiga com 13 anos.




Estou também no blog  As histórias de Emília  de minha amiga Emiliana com um texto divertido sobre Telemarketing.




Pela primeira vez em treze anos de trabalho, cheguei à minha casa mais cedo do que de costumo, numa sexta-feira, mas, antes de entrar, ouvi uma voz me chamando:
– Cinara! Cinara!
 – Oi! Era Alcina, minha amiga desde o colégio e agora semivizinha.
– Que bom que chegou cedo porque preciso de companhia para ir ali e estava justamente pensando  em ti. – Mas ali, onde?
 – No bairro de São Jorge. Vamos no meu carro. Entre!
Entrei no carro dela e seguimos de meu bairro, Cachoerinha.
– O que tu vais fazer lá? Quis saber.
– Vamos para...  é... bem... é que...
– Sim, para onde, maninha?
– É... Vamos àquela cartomante que te falei outro dia.
– Ah, a tal Fátima?
– Sim. É que estou um pouco nervosa. Por isso não quis ir sozinha. Mas não é necessário tu entrares. Sei que não gostas disso.  
– Tudo bem, mana!
Depois de meia hora de trânsito intenso, chegamos à rua, onde morava a tal cartomante na casa de número 131. Embora não acreditando nisso, entrei com ela. Fiquei sentada um pouco distante num estofado de capa estampada com flores violetas, só observando. Era uma sala com cortina nas portas com meia luz. Na entrada, havia uma cortina rarefeita de canudos de bambu, outros semelhantes a ossos que funcionavam como chocalhos para anunciar a entrada de cliente. Mais ao extremo, havia uma mesa onde a anfitriã recebia seus clientes.  Alcina entrou e sentou. Passaram-se cinco minutos, a tal apareceu. Era uma senhora morena, cabelos longos pretos e lisos, meio indígena, altura média, sobrancelhas finas e arqueadas aparentando uns cinqüenta anos. Trazia um pano marrom no ombro esquerdo e toda ornamentada com vários cordões tipo rosário com contas e búzios no pescoço. Com pequeno gesto facial, cumprimentou Alcina e se sentou. Tirou da gaveta um baralho, encardido pelo uso e começou a embaralhar as cartas fitando os olhos na Alcina. De quando em vez, ela se esquivava para esquerda para me observar. “Será que essa bruxa se invocou comigo?”, Pensei. Para disfarçar, fingi que estava lendo uma revista e, de cabeça baixa, olhava por cima, mas ela, sorrateiramente, percebia pelo franzir de minha testa e, quando eu olhava para ela, também disfarçava olhando para o maço de baralho. Ficamos neste fingimento por vinte minutos. Alcina se despediu dela e veio ao meu encontro.
– Vamos?
– Vamos embora. Eu disse.
– Tu não queres que  ela jogue as cartas para ti?

 – Eu não, não! Respondi meio nervosa.  A cartomante só escutando nossa conversa me olhando. “Eu sabia que as duas estavam tramando contra mim”. Pensei.
– Deixa de ser boba, ora! Ela não vai te fazer nenhum mal! Eu a conheço.
Fiquei sem jeito para recusar. Achei que seria mal-educada e fui. A miserável já me esperava sentada, como se tivesse certeza de que eu iria. “Isso é um complô. Aquela Alcina me paga!” Murmurei. Ao me aproximar da mesa, ela me cumprimentou com um gesto positivo com a cabeça e me pediu para sentar por meio de um gesto com a mão direita. Mirando-me nos olhos, ela começou a traçar o baralho. Dei um sorriso forçado com apenas o lado esquerdo da boca. A cartomante mantinha a concentração como se tivesse tentando adivinhar meus pensamentos. Enquanto isso, a mentecapta da Alcina foi me aguardar lá fora. Fátima tirou uma carta que tinha o desenho de um... acho que esqueleto com um foice e disse:
 – Terá morte na família! E, em seguida, embaralhou-o novamente e retirou outra carta que me pareceu um Cupido mirando uma flecha para um casal acompanhado por uma pessoa mais velha:
 – Haverá um casamento de um parente bem próximo que será feliz, mas haverá outro muito infeliz; estou vendo o sofrimento da mulher porque casará forçada. Tornou embaralhar as cartas e retirou outra com um desenho de uma criança montada num cavalinho de brinquedo e disse me mostrando:
 – Tu terás uma grande alegria!
– Alegria de quê? Como? Retruquei. Já estava me aborrecendo com as mensagens enigmáticas.
– As cartas não revelam o motivo. Apenas dizem que terás uma grande alegria! E assim, ela continuou me fazendo várias outras revelações que eu não mais me interessei porque, cansada, queria mesmo era ir embora, mas a última me deixou inculcada. Ela retirou uma carta que, se não me engano, tinha um desenho de um sol com rosto e um menino nu montado num cavalo branco.
– Tu terás um filho! Concluiu ela me mostrando novamente a carta. Levantei-me e fiz um gesto de abrir minha bolsa para pagá-la, mas ela interrompeu segurando no meu braço e me disse que Alcina já havia pagado tudo. Quando a cartomante me falou que teria um filho, a princípio, mesmo assustada, tive vontade de ir embora, até perdi o medo por causa deste despautério dela. Tive a certeza de que era uma capadócia tentando me enganar. “Como posso ter um filho, se há sete anos eu fiz laqueadura após o nascimento de minha última filha?” Ficava me indagando. “Aquela cartomante é uma farsante”. Pensava. Passaram-se alguns meses, todavia aquilo ainda me inculcava. Não sei foi coincidência, mas um contraparente meu falecera e minha filha primogênita passou no vestibular. “Será que as profecias daquela charlatã estão se cumprindo?” Eu resmungava. Impressionada, sentia que minha barriga crescia e, para aumentar mais meu desespero (parece uma coisa!) vi num telejornal, uma mulher processando um médico por ter engravidado cinco anos após a cirurgia de laqueadura. Logo procurei um médico. Fiz o exame de ultrassonografia. O médico me disse:
– Não se preocupe, dona Cinara, porque a senhora não está grávida, não. Somente está mais gordinha. 


domingo, 20 de novembro de 2011

O que impera

Desenho de Taciane, minha filha de seis anos.

Impera o silêncio na solidão;
Na ignorância, impera a razão;
Na alegria, impera a tristeza;
Na sociedade, impera a riqueza,
No egoísmo, impera incerteza...
Na humanidade,
Impera a vaidade.
No amor,
Impera o humor;
Na paixão, impera o tormento;
Na dor, impera sofrimento;
Na saúde, impera a doença;
Na religião, impera a crença.
Na verdade,
Impera a inverdade.
Na biologia,
Impera a cronologia.
Depois da saciedade,
Impera a saudade.
Com Javé,
Impera a fé;
Com Mavorte,
Impera a morte.



domingo, 13 de novembro de 2011

Nostalgia

Desenho de Taciane, minha filha de seis anos.

Depois que saí de minha cidade natal, somente voltei lá por meio da voz, letra e imagem, porém, há poucos anos, fiz um passeio imaginário por lá, que resultou neste poema a seguir:

 Tudo mudou;
Nada está no lugar:
A Casa não é mais a mesma de outrora,
A Rua tem outro sentido,
O Bairro evoluiu,
Não é mais subúrbio,
As pessoas têm outro status,
As crianças estão adultas,
Os adultos agora são velhos,
Os velhos se mudaram para Necrópoles,
Os amigos se tornaram estranhos,
Os estranhos estão mais estranhos ainda,
O Rio teve seu curso desviado,
A Praça não tem mais graça,
A Igreja não é somente para rezar,
A água é mais preciosa do que nunca,
O ar está quase irrespirável,
As árvores desapareceram na ambição humana,
O sabiá, o canário, o bem-te-vi, a rolinha
A graúna, o anum, o pintassilgo, o golinha, o beija-flor
E até o carcará não mais existem porque se mudaram ou se extinguiram;
As serras estão peladas e onduladas.
A cidade cresceu estupidamente.
Na natureza, está tudo se extinguindo.
Só se recrudesce o egoísmo humano.
Não há mais ilusão,
Só há fantasia.
A vida perdeu amor.
O amor perdeu valor e
Até mesmo Nosso Senhor
Mudou, modificou-se.


domingo, 6 de novembro de 2011

Cordel da Universidade

Desenho de Taciane, minha filha de seis anos. 

Já no primeiro período na faculdade, a professora nos deu um texto falando sobre a história e o papel da universidade para que fizéssemos outro conforme nosso entendimento. Logo pensei em fazer o meu em forma de cordel. Depois que fiz, achei simples, mas a professora gostou tanto que o expôs no mural. Como o governo tinha acabado de implantar a avaliação do curso superior, alcunhado de “provão”, o que causou insatisfação por parte dos alunos veteranos, então eu incluí o tema no cordel. Ao lerem no mural, procuram-me para pedir cópias para expor em outras faculdades, porque, segundo eles, era um panfleto contra o "tal provão”, não tive essa intenção, mas dei as cópias a eles. 




Quero ter mais do que nunca
Muito mais inteligência
Para escrever estes versos
Com a maior competência.
Falar da Universidade,
O universo da sapiência.

Teve suas lutas históricas,
O que há muito se viu,
Superou bem os obstáculos
Buscando o ideal que não atingiu.
Dar-nos resposta científica
Para o que antes era vil.

Com propósito constante,
Apesar da adversidade,
Que é ter melhor futuro
A ávida sociedade;
Qualificar o discente
Pra ter mental liberdade.

É nosso maior patrimônio,
Pois trabalha pra o povão;
É ciente de que não tem
Do país digna gratidão.
Constata-se sua eficácia
Sem esse tal de provão.