Lampião e Maria Bonita. Imagem da internet.
Devido
a muitos amigos leitores do Literatura (folhas soltas), sobretudo os irmãos
portugueses, não conhecerem a Literatura de Cordel, decidi fazer esta postagem
explicando.
Conceituação
Romanceiro popular nordestino, em
grande parte, contido em folhetos com impressão artesanal (xilogravura, que é arte
e técnica de fazer gravuras em relevo sobre madeira) e expostos à venda
pendurados em barbante ou cordel (espécie de cordão, barbante; daí, a origem do
nome cordel) nas feiras e mercados públicos. São feitos em linguagem simples e
popular narrando temas diversos em versos. No princípio, era cantado, agora é
recitado em voz alta para platéia.
Origem
O cordel é oriundo das Canções de
Gesta medievais, que eram poesias de temas guerreiros e chegaram à região
ibérica através da influência francesa, que teve nas novelas de cavalarias, o
Ciclo Carolíngeo, que narravam as peripécias de Carlos Magno e os doze pares da
França. A literatura popular nos foi trazida pelos colonizadores portugueses em
suas bagagens e encontrou no Nordeste brasileiro ambiente propício, por razões
étnicas e sociais.
Métrica
Contando-se com os gêneros mais utilizados
ou os que já foram abandonados e com o improviso, a “Poesia Popular” possui 36
modalidades, número verdadeiramente espantoso, que vem, através dos tempos,
demonstrar o grande poder criativo dos nossos bardos matutos. Eis as
principais:
1-
Sextilha
(6 linhas): é a métrica mais comum. A
rima é feita em redondilha maior, ou seja, na sétima sílaba poética com 3
versos brancos, exemplo:
Quero ter mais do que nunca
Muito mais inteligência
Para escrever estes versos
Com a maior competência.
Falar da Universidade,
O universo da sapiência.
(Codel da Universidade, Bento
Sales)
2-
Sete
linhas ou pés: o quinto rima com o sexto, e o sétimo com o segundo e o quarto,
exemplo:
Fui moço, hoje estou velho!
Pois o tempo tudo muda!
Já fui um dos cantadores
Chamado Deus nos acuda ...
Este que estão vendo aqui
Foi Zé Duda do Zumbi!
Hoje Zumbi do Zé Duda!
(Manoel Galdino da Silva Duda)
3 - Moirão (5 e 6 pés): é um duelo que
consiste em os cantadores revezarem dentro da mesma estrofe, como num diálogo,
exemplo:
I - Seu Romano, estão dizendo
Que nós não
cantamos bem!
R- Pra cantar igual a nós,
Aqui, não vejo
ninguém!
I - E o diabo que disse isto
É o pior que aqui
tem!
(Romano e Inácio)
4-
Moirão
de sete pés: este é o mais usual. É feito com estrofes de linhas em que o
principiante do duelo faz os cinco versos, ou seja, os dois primeiros e os três
últimos; já o segundo cantador está encarregado de fazer os restantes ordenados
em três e quatro, exemplo:
A.L. Não vã você achar ruim
Este Mourão a doer!
J.B. Eu acredito, Agostinho
Naquilo que posso ver!
A.L.Companheiro, não se gabe,
Que a pessoa que não sabe,
Agrava a Deus sem querer!
(Agostinho
Lopes dos Santos e José Bernardino de Oliveira)
5-
Moirão
trocado (repetição de palavra): A diferença deste gênero para o anterior é
basicamente no surgimento de palavras (repetidas) que se alternam nas quatro
primeiras linhas da estrofe, exemplo:
L. Eu, da
graça, faço o riso,
E, do riso, faço a
graça!
P. E da massa, faço o pão,
E do pão, eu faço
a massa!
L. Você desgraçou a peça:
Que u'a misturada
dessa
Não há padeiro que
faça!
(Lourival Batista e Severino
Pinto)
6-
Moirão
que você cai (12 pés): Este
também é muito semelhante aos anteriores. Aqui, o cantador iniciante é
encarregado de formar os versos: primeiro, segundo, terceiro, sétimo, oitavo,
décimo, décimo primeiro e décimo segundo e os demais versos ficam a cargo do
segundo cantador, exemplo:
L. Meu irmão, a hora é esta,
De travar-se um
desafio!
Lá vai uma, duas e três
...
O. Mas, em luta eu não confio
Porque desanima a
festa!
Lá vai quatro, cinco e
seis ...
L. Meus versos ninguém detesta
Porque desafio
distrai!
O. Cuidado que você cai...
L. Caio tomando sorvete,
Você levando
cacete,
Se for por dez pés lá
vai!
( Lourival
e Otacílio)
7-
Moirão
voltado (13 pés): neste gênero,
criado mais recente, os contendores alternam-se até o oitavo verso, para que,
em seguida, juntarem suas vozes, como num coro, como neste refrão:
Isso é que é Mourão voltado,
Isso é que é voltar Mourão!
Depois repetem a oitava linha com o refrão acima,
cantador A x B:
A. Tudo, neste mundo, volta.
B. Com você, combino eu!
A. Volta o rico e o plebeu;
B. Volta quem prende e quem solta ...
A. Volta a paz e a revolta;
B. Volta o sim e volta o não!
A. Volta até Napoleão
B. Que há tempo está sepultado...
A/B Isso é que é Mourão voltado,
Isso é que é voltar Mourão!
Que há tempo está sepultado...
Isso é que é Mourão voltado,
Isso é que é voltar Mourão!
8-
Décima
(7 sílabas, mote): Este
gênero vem desde o princípio do cordel. É caracterizada pelos motes, com
estrofes de dez versos de sete sílabas poéticas. As rimas estão distribuídas
desta forma: o primeiro verso rima com o quarto e o quinto; o segundo, com o
terceiro; o sexto, com o sétimo e o décimo e o oitavo, como o nono, exemplo:
As obras da Natureza
São de tanta perfeição,
Que a nossa imaginação
Não pinta tanta grandeza!
Para imitar a beleza
Das nuvens com suas cores,
Se desmanchando em louvores
De um manto adamascado,
O artista, com cuidado,
Da arte, aplica os primores.
(Antônio
Ugolino Nunes da Costa)
9-
Martelo
agalopagado (10 linhas): este gênero
foi criado pelo violeiro paraibano Silvino Pirauá Lima. É uma estância de dez
versos e tem a mesma regra de rima da Décima. A origem do nome vem do diplomata
francês Jaime Martelo, do século XVII, que também foi professor de literatura
na Universidade de Bolonha, que foi precursor do estilo. Ele retirou os dois
últimos versos da Oitava de Ariosto, formando o que chamou de Martelo cruzado,
exemplo:
Quando as tripas da terra mal se agitam,
E os metais derretidos se confundem,
E os escuros diamantes que se fundem,
Da cratera ao ar se precipitam.
As vulcânicas ondas que vomitam
Grossas bagas de ferro incendiado,
Em redor, deixam tudo sepultado
Só com o som da viola que me ajuda,
Treme o sol, treme a terra, o tempo muda,
Eu cantando Martelo agalopado.
(Lira
Flores)
Veiculação,
ambientação, adaptação e o artista popular
O Nordeste ofereceu um cenário ideal
que tornou forte, atraente e vasta a Literatura de Cordel. Duas razões foram
fundamentais para essa perfeita adaptação. A primeira consiste nas condições
étnicas, que é o encontro do lusitano com o africano escravo, onde se fez de
maneira estável e contínua. Com o tempo, deram-se a fusão e absorção de
influências mútuas. A segunda é o próprio ambiente social que oferece condições
que propiciaram o surgimento dessa forma de comunicação literária. A difusão da
poesia popular através de cantadores em grupo ou forma escrita.
O cordelista é geralmente de origem
humilde, e, sobretudo, de pequena cidade e da zona rural. Hoje os encontramos
nas grandes metrópoles, não só na região Nordeste, mas também em todo país. O
poeta popular, não raramente, além de artista, é empreendedor: faz o romance,
imprime-o em sua tipografia rudimentar, confecciona a capa (muitas ainda são
feitas até hoje com xilogravura) e comercializa em pontos estratégicos. Agora
com o advento do computador, a impressão está muito mais fácil.
Cíclos
temáticos
Português: antigo, cavaleirescos, novelescos,
cativos e renegados, mulheres valentes, homens bravos, aventureiros e valentes,
histórico, religioso, hagiográfico e etc.
Brasileiro: O desafio real ou
imaginário, históricos tradicionais, cangaço, Antonio Silvino, Lampião e Maria
Bonita, seca, retirante, vaqueiro e vaquejada, histórias bíblicas, profecias,
Getúlio Vargas e sua morte, crime, desastre, guerra, temais circunstantes e
muitos outros ciclos.
Considerações
finais
A Literatura de Cordel foi
utilizada, a princípio, também como veículo de comunicação, tanto em Portugal e
suas colônias, como na Espanha e seus domínios, mas este perdeu vez para o
jornal quando se popularizou.
No
Brasil, isso não ocorreu. O cordel inovou nos temas, tornando-os variados e
aleatórios e o artista se classificou como “poeta popular”, que é aquele que
faz o cordel e o cantador-repentista, que é quem faz repente e desafio orais
acompanhado por viola (mais comum hoje) ou violão. Esta subdivisão da
literatura popular (o repente) é considerada pelos estudiosos e críticos do
assunto, como Câmara Cascudo, como parte do folclore nordestino e não da
Literatura de Cordel.
Diferenças
básicas entre o cordel e o repente:
O
cordel é escrito e declamado, geralmente para uma platéia; às vezes, pode até
ser musicado, mas a letra é pré-escrita. Enquanto o repente é feito de
improviso e cantado acompanhado com viola ou violão. O evento mais comum são os
desafios, que consistem em um embate, onde os dois cantadores tentam vencer seu
adversário rimando o máximo possível ao defender um tema ou ofendê-lo até
esgotar as rimas possíveis. Se alguém, por exemplo, gravar o repente e
escrever, então não mais será um repente, mas um cordel.
Este
texto foi um trabalho escolar que fiz quando estudante do ensino médio.
Referências
bibliográficas:
AUTORES
Vários. Literatura Popular em Verso. São Paulo
Ed. da Unic. de São Paulo 1986.
Bento
Sales.