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domingo, 25 de março de 2012

Métrica Poética






Métrica poética
A poesia contemporânea é caracterizada por poema de forma livre e verso branco, ou seja, sem métrica fixa nem rima. No entanto, ainda há resistências quanto à forma fixa. Alguns tipos de poemas (clássicos) têm metrificação constante, como a balada, o rondó, a epopéia, o soneto, o haicai, o cordel em redondilhas e etc.. Esta maneira de versificação era muito cultuada até o fim do século IX. Por isso, é bom sabermos um pouco sobre a métrica destes gêneros poéticos.
O poema é formado por estrofe. A estrofe é composta com versos e estes são feitos com sílabas poéticas.
A medida do verso é o metro. Metrificação é o estudo de metro. Escansão é a decomposição do verso em sílaba poética, que é um pouco diferente da sílaba gramatical ao ser contada.  A sílaba poética é formada conforme a musicalidade da língua quando pronunciamos os sons. A escansão do verso, leva em consideração o som e não a sílaba em si ao declamarmos um poema. Existem duas regras básicas para separarmos e contarmos (escansão) as sílabas poéticas. A primeira é que devemos juntar todas as vogais átonas (sem acento) em uma única sílaba, mesmo que pertençam à palavra seguinte e que tenham ponto ou vírgulas entre elas. A segunda regra é bem simples: somente contaremos até a sílaba tônica da última palavra do verso e preterimos as restantes. No entanto, o poeta tem as famigeradas “licenças poéticas”, que pode, sim, separar as vogais átonas para que seu verso dê na métrica, mas esse recurso não é considerado erro.  Exemplo:

    
  

     1    2    3   4   5     6   7  8   9   10
 “ Re/pou/sa/ lá/ no/ Céu/ e/ter/na/men/te”. 

 



Em razão disso, a escansão pode causar um pouco de dificuldade, todavia tenho uma técnica para dirimir as dúvidas. Para se ter certeza da métrica certa de um poema, escolhemos um verso que não tenha vogal átona no fim de uma palavra e no começo da outra. Exemplo:

  
 


    

 
     1    2    3   4   5     6       7    8   9  10  

"Que/ já/ nos/ o/lhos/ meus/ tão/ pu/ro /vis/te”.

Para praticarmos, vou escolher um soneto do grande mestre Camões. Este soneto tem uma história interessante. Dizem os biógrafos que, certa vez, Camões seguia com sua namorada chinesa Dinamene, de Macau, na China, para Índia, por volta de 1560 e quando chegara à foz do rio Mekong, no Camboja, sofreu naufrágio. Quando o bardo olhou para um lado viu sua amada se afogando e do outro, os manuscritos de “Os Lusíadas”, ficou no dilema de quem salvar. Adivinhem por quem ele optou! “Os Lusíadas”, é claro, mas dedicou este maravilhoso soneto à amada Dinamene.     
Um soneto tem 14 versos, distribuídos em dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofes de três versos) com rima na décima sílaba poética, ou seja, é um decassílabo. Vamos lá, pois se aprende é praticando e vamos praticar muito:

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


 

 1   2    3     4     5  6     7   8    9  10 
Al/ma/ min/ha/ gen/til,/ que/ te/ par/tis/te
  1    2    3    4   5  6   7    8    9   10 
Tão/ ce/do/ des/ta/ vi/da,/ des/con/ten/te,


 
 1    2   3    4   5   6     7  8  9  10 

Re/pou/sa/ lá/ no/ Céu/ e/ter/na/men/te


1   2    3      4    5   6   7    8     9   10 

E/ vi/va eu/ cá/ na/ ter/ra/ sem/pre/ tris/te.


 
  1    2    3       4    5   6    7       8   9  10
 Se/ lá/ no as/sen/to e/té/reo, on/de/ su/bis/te,

 

  1    2    3    4    5  6   7   8    9     10 
Me/mó/ria/ des/ta/ vi/da/ se/ con/sen/te,


 

 1         2     3     4    5    6     7     8    9  10 
Não/ te es/que/ças/ da/que/le a/mor/ ar/den/te


 

  1      2    3    4   5      6      7    8   9    10 
Que/ já/ nos/ o/lhos/ meus/ tão/ pu/ro /vis/te.


 
 1    2  3   4     5    6   7    8     9  10
 E/ se/ vi/res/ que/ po/de/ me/re/cer/-te

 

 1   2   3    4        5     6     7     8   9  10 
Al/gu/ma/ cou/sa a/ dor/ que/ me/ fi/cou/

 

  1    2    3       4      5    6   7     8    9   10 
Da/ má/goa,/ sem/ re/mé/dio,/ de/ per/der/-te,


 
  1      2      3        4    5      6   7     8    9  10 
Ro/ga a/ Deus,/ que/ teus/ a/nos/ em/cur/tou,/


          
 
   1     2     3    4   5    6   7   8     9    10 

Que/ tão/ ce/do/ de/ cá/ me/ le/ve a/ ver/-te,


 

    1      2   3   4     5       6   7      8    9  10 

Quão/ ce/do/ de/ meus/ o/lhos/ te/ Le/vou./


Amigo, preste atenção,
Naquilo que vou falar:
Tenha bastante cuidado
Quando assim for trabalhar
Para continuar saudável
E nunca se acidentar.
(Bento Sales, Cordel da segurança do trabalho).


 
1    2   3      4     5    6     7   

A/mi/go,/ pres/te a/tem/ção,/
  
1     2   3    4      5      6    7   
Na/qui/lo/ que/ vou/ fa/lar:/

  
 
1     2      3     4  5   6    7   
Te/nha/ bas/tan/te/ cui/da/do/


 





1           2      3    4      5   6    7    

Quan/do as/sim/ for/ tra/ba/lhar

   
 

1    2     3  4   5       6    7   
Pa/ra/ con/ti/nuar/ sau//vel


 
 1    2     3      4   5   6    7   
E/  nun/ca/  se a/ci/ den/tar.


o sapo, num salto
cresce ao lume do crepúsculo
buscando a manhã
(Zemaria Pinto)



 

1   2   3     4      5     
o/ as/po,/ num/ sal/to


  
 
 1          2    3   4    5     6    7   
cres/ce ao/ lu/me/ do/ cre/pús/culo


   
 
 1       2     3    4    5      
bus/can/do a/ ma/nhã




Chuva de verão
Acaba, às vezes, com
Festa de São João.
(Bento Sales)


 

  1     2    3    4  5
Chu/va/ de/ ve/rão

   
 

 1   2   *3      4    5      6      7   
A/ca/ba, às/ vê/zes,/ com/ a


 
 1     2   3      4     5
Fes/ta/ de/ São/ João.

*Quando houver acento grave, ou seja, uma crase, a vogal é considerada átona, por isso temos que contá-la associada com a vogal anterior.

Chuva no trajeto
Limpa minha rua levando
O humano dejeto.
(Bento Sales)



      
    1    2   3    4    5 
 Chu/va/ no/tra/je/to


   


  
 






1       2    3   4       5   6    7 
Lim/pa/ mi/nha/ rua/ le/van/do





* 1     2   3    4  5
O hu/ma/no/ de/je/to.


*Como o “H” é mudo, ou seja, sem som, então juntamos em uma única silaba porque o “u” e “o” são átonos.

Saltando n'água, a nado se acolhiam.
(Camões, Os Lusíadas)


 
 1     2   3   4*     5       6    7    8    9  10
Sal/tan/do/ n'á/gua, a /na/do/ se a/co/lhi/am

*Quando houver elisão, contamos como uma única sílaba. Elisão é a justaposição de duas palavras em que um fonema é suprimido, indicado pelo apóstrofo ( ‘ ). Exemplos: mãe-d'água, Vozes d'África, Sant’ana.
Nota: Se não houvesse elisão, teríamos que contar as sílabas separadamente por termos um “a” átono e outro tônico, portanto, alteraria a métrica do verso:


      
 
   1    2   3    4  5     6    7    8     9   10 11 

 Sal/tan/do/ na/ á/gua, a/ na/do/ se a/co/lhi/am




 Peço lhes desculpas pelo desalinhamento dos números, pois não conseguir ajustar após a transcrição.

Bibliografia:
Dicionário Houais;
Teoria da Literatura: Elementos Básicos de Antonio Paulo Graça; 
O TEXTONU de Zemaria Pinto;
 Wikipedia.org.

Dedico este texto ao amigo Jim Carbonera do blog    Palavra Vadia   e do site          www.jimcarbonera.com  pelo seu interesse em entender a métrica poética.


sábado, 10 de março de 2012

Cordel:desafio

Desenho de Taciane, minha filha de seis anos.


             Trabalhei numa empresa, onde havia um funcionário chamado de Ricardo Hernane, que era um sujeito picaresco, indolente, relaxado e displicente no trabalho. Fazia movimentos quase imperceptíveis, como numa câmara lenta. Também era indisciplinado.Tanto faltava quanto chegava atrasado, mas, se falássemos em comida, ele se tornava  em outra pessoa: ficava célere, ativo, pantagruélico e  taquifágico. Então, os colegas de trabalho viviam me pedindo para eu fazer um cordel baseado na vida dele. Conforme suas atitudes, eu ia fazendo as estrofes e, pouco a pouco, terminei o cordel, intitulado de “Funcionário nem um pouco padrão”. Todos gostaram. Fiquei receoso em mostrar para ele, porém, para minha surpresa, depois de eu recitá-lo, disse: “Muito obrigado pela homenagem!”
            Tempos depois, eu mostrei o cordel para meu amigo José Vieira, um cordelista excepcional, que também conhecia o tal sujeito e me disse que ia defendê-lo. Mais tarde, trouxe-me um cordel denominado de “Eu sou muito é eficiente”. Certa vez, diante da turma reunida, recitamos juntos nossos cordéis, como num desafio, onde um atacava e ou outro defendia. Ficou muito divertido.



 Bento Sales:
Quando vai atrás de um emprego,
Diz que a conversa é séria, 
Que está precisando muito,
Pois vive numa miséria,
Mas quando inicia o trabalho,
Vê-se que isso era pilhéria.

José Vieira:
Quando eu vim pedir emprego,
Realmente eu falei sério:
Falei das minhas necessidades,
Não criei nenhum mistério,
Declarei minhas qualidades
E relatei os meus critérios.

Bento Sales:
Antes do primeiro mês,
Já começa a se atrasar,
Dando mil e uma desculpas
P’ra também poder faltar
E logo após dá início
A sua família matar.

José Vieira:
Eu sempre fui pontual:
Cheguei sempre na hora exata,
Pois precisava mostrar
Minha conduta pacata,
Já que a fase de experiência
Sempre é muito burocrata.

Bento Sales:
Ao fazer o seu trabalho,
Sem ânimo, tudo estraga;
Revela-se um indolente,
Um desleixado e uma praga,
Porém, na hora de comer,
É realmente uma draga.

José Vieira:
Trabalho de sol a sol
E nunca estraguei nada
Nem menti sobre a família,
Pois pra mim ela é sagrada;
Sobre minha nutrição
É tão pouca, é limitada.

Bento Sales:
Ainda acha que ganha pouco.
Seu serviço é horrendo,
E se mandar fazer algo,
Vai fazer quase morrendo, 
Mas para receber seu
Pagamento,vai correndo.

José Vieira:
Confesso que o meu salário
Não me deixa satisfeito,
Mas eu sei que o patrão
Me paga sempre direito.
Eu sou muito agradecido
Por tudo que me tem feito.

Bento Sales:
Aparenta que comer
É o seu melhor ofício,
Tudo que vai fazer não
Faz certo, acha difícil,
Mas quando ele vai comer,
Acha um ótimo exercício.

José Vieira:
Seu Bento vive dizendo
Que sou muito comedor,
Pois eu preciso comer
Porque sou muito trabalhador,
Pois aprendi a comer
Com o Pompeu e com o senhor.

Bento Sales:
Nunca aprende a trabalhar,
Não se esforça, não se antena;
O patrão percebe que
Sua produção é pequena,
Mas, na refeição, devora
Uma galinha sem pena.

José Vieira:
As aparências enganam.
Eu já sei tudo fazer,
Pois aprendi com o José
Minha função exercer
E na hora da merenda,
Bento, como menos que você.

Bento Sales:
Sempre produzindo pouco,
Dar para medir em régua,
Sua preguiça é enorme,
Portanto não lhe dá trégua,
Todavia para ir comer,
É igual ao papa-légua.

José Vieira:
Minha produção é ótima!
Já ouvi o seu Messias
Dizendo que sou esperto,
Que trabalho com alegria,
Pois já cheguei a fazer
20 consertos por dia.

Bento Sales:
É sempre todo enrolado,
Muito mais que um anzol;
Faz tudo devagarzinho,
Parecendo um caracol,
Porém na hora de almoçar,
Mais parece uma patrol.

José Vieira:
Meu patrão, você me desculpe!
Mas não sou nada enrolado.
Eu sou muito eficiente,
Trabalho sempre esforçado;
Na hora das refeições,
Eu saio sempre atrasado.

Bento Sales:
Todas as pessoas precisam
Se alimentar para viver,
Mas, esse tipo de gente,
Que não dá para entender,
Se tem a impressão de que
Só vive para comer.

José Vieira:
Sou um bom trabalhador,
Humilde, simples e sincero;
Faço muito, ganho pouco,
Mas nunca me desespero,
Pois eu estou com o Presidente
No famoso Fome Zero.

Bento Sales:
Durante o trabalho, faz
Intervalo a todo instante,
E aproveitando o embalo,
Porque a fome é constante,
Faz uma boquinha como
Um cavalo ou um elefante.

José Vieira:
Quando fui contratado,
Eu provei o meu valor,
Eu ouvi do seu Pompeu
Que eu era trabalhador,
Depois eu vi que o José
Com o Messias concordou.

Bento Sales:
Para ser logo admitido,
Gaba-se nesse momento
Dizendo que é dotado
De um excelente talento,
Mas logo se observa que
O seu trabalho está lento.

José Vieira:
Sei que vocês não me acham
Um cara bem graduado,
Mas, pelo tempo de serviço,
De alguma forma me enquadro.
Eu sou muito eficiente,
Por isso muito obrigado!

Bento Sales:
O patrão, decepcionado,
Dispensa logo o empregado
Que ainda se acha injustiçado
Por ter sido dispensado,
Pois era muito esforçado
E também tão dedicado.

José Vieira:
Seu Bento, muito obrigado
Por você ter me criticado!
Este, que é bom empregado,
Que passa o dia ao seu lado,
Com os dedos calejados,
Mas sempre bem humorado.

Bento Sales e
José Vieira.