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domingo, 29 de julho de 2012

HERMÉTICO

Desenho de Taciane, minha filha com sete anos.

Gosto de aedo de palinódia obducta,
Que medre opúsculo de escopo arcano,
Que o zoilo, em diatribe e quão ufano,
Se areie na sua ilação fugaz e abrupta.


Porque a exegese do ínvio se enluta;
Para exauri-la tem que ser magano
E elucubrar por prescindir o engano
E a logomaquia nunca se refuta.

O anfiguri é curial do abderítico,
E no impérvio não há tautometria:
Dédalo é fósmeo até para o crítico.

Esse bardo é epônimo de Hermes,
Não engendra nênia nem hipocondria,
Sua obra pretere hermeneutas inermes.



Fiz este soneto com palavras preciosistas para surpreender meus colegas e o professor num trabalho de semântica quando fazia graduação em Letras.  Á primeira vista, tem-se a impressão de que não é português, mas o é e tem nexo. Como disse o linguista Evanildo Bechara:
"O falante tem que ser poliglota em sua própria língua". 
Reedito o poema agora como tributo e lembrança de meu amigo Phelipe Castanho, do blog Caixa de Pandora, que nos deixou em 31 de julho de 2011. Como era ótimo poeta e contista, sentiu-se desafiado por não entender o poema, então, pediu-me permissão para copiá-lo e “traduzir para o português falado aqui na Terra” – conforme suas palavras. Depois o publicou em seu blog com o título: “Desafio do Professor Bento Sales”. Ficou ótimo e praticamente outro poema. Apesar de ser ipsis litteris, contém a essência do poema. Pediu-me desculpas por não fazer rimado. Para mim foi muito importante, pois era estreante na Blogosfera. Ele era um grande homem e muito amigo, mesmo, merece essa minha  singela homenagem.



Hermético (tradução de Phelipe Castanho)


Gosto dos poetas da antiguidade que faziam poemas sombrios e rimados,
Que fizeram crescer esta arte misteriosamente até hoje.
Mas que é criticada mordazmente por leigos
Que se baseiam em conclusões rápidas e sem nexo.

Porque um comentário de quem não conhece é lastimável.
Tentam acabar com esse tipo de cultura,
Mas ela veio através do tempo e ninguém consegue destruir.
Por mais que se discuta, ela vence e prospera.

Os textos são (aparentemente) sem ordem alguma e eram cantados nas reuniões antigas.
Por serem de difícil entendimento, (muitos acham que) ficam monótonos.
São (parecem) confusos a ponto de ficarem (acharem) impossível de estabelecer uma critica.


Mas venho em defesa deles:
Não tentando mostrar o lado triste e doentio,
Mas mostrar a beleza dos poemas daqueles que cultuavam Hermes.



domingo, 15 de julho de 2012

O encontro

Desenho de Taciane, minha filha com sete anos.


Márcio sempre ia ao bar no centro da cidade beber com amigos e namorada ou pretendente depois da faculdade e ficavam bebendo, sobretudo vinho até altas horas. Neste dia, ele foi sem namorada nem pretendente a um bar localizado na Rua 10 de julho. Havia um grupo semelhante ao lado. Estava uma moça entre eles que bebia desbragadamente e logo percebeu que ele a estava paquerando de soslaio. Ela correspondeu. Ao mudar de foco por um instante, ela se sentou a seu lado:
- Oi, tudo bem?
-Tudo bem?
- O que está tomando?
- Vinho. Quer um pouco?
- Sim. Quero muito!
- Está acompanhado?
- Agora estou.
- E você?
- Agora estou também.
- Como é teu nome?
- Márcio.
- O meu é Jana.
Depois disso, namoraram e beberam até três horas da manhã. O dono do bar pediu-lhes desculpas por ter que fechar. Os dois grupos se juntaram e decidiram procurar outro bar aberto. Eram sete pessoas. Estavam meio ébrios. Outros, meio sóbrios. Andaram rua a cima no silêncio da madrugada; os dois abraçados no meio da rua e os demais na calçada e na lateral. Encontraram uma certidão de casamento em branco. Eles brincaram de casar com juramento de amor com assinatura e tudo. Jana era uma mulher muito moderna no pensar e agir em relação a Márcio. Além de ser mais velha (dois anos), era bem mais vivida, tinha um filho de dois anos. Ele era pacato, recatado, tímido e de pouco experiência amorosa. Já ela, tinha a mente aberta para todos os sentidos: ela é o que se pode dizer que é pansexual. Ele gostou dela justamente por causa disso. Com ela, ele se realizava plenamente. Ela tomava psicotrópicos. Foi amor à primeira vista.
Quando chegaram próximo à Praça São Sebastião, ela pediu que ele a soltasse e fosse pela calçada. Ele olhou para frente e para trás, mas não viu ninguém nem nada, por isso não entendeu a atitude. Ela, então ordenou:
- Saia já daqui!
Ele saiu rapidamente. Foi para a calçada. Talvez fosse uma premonição. Repentinamente, ouviu-se um barulho de pancada. O olhou na direção, viu Jana girando no ar como uma hélice até cair no meio da rua. Alguém da turma gritou:
- Um carro a atropelou!
Todos correram para socorrê-la. Estava em estado lastimável: arranhada, machucado, cheia de hematoma, rosto desfigurado, pé quebrado e em delíquio. Logo chamaram táxi e a levaram para um pronto-socorro. Foram à delegacia para registrar o acidente, porém não houve dados suficientes para identificar o veículo nem sequer anotaram o número da placa: alguns sugeriram verificar se as câmaras do Teatro Amazonas registraram a cena, mas nada. Mais um crime impune. Depois, todos foram para suas casas. O Sol já anunciava sua chegada. Márcio contou tudo para sua mãe; ela ficou preocupadíssima. No dia seguinte, à tarde, foi visitá-la. Já estava bem melhor. Ela disse que só houve a fratura do pé e que daqui a uns cinco dias receberia alta. Enquanto isso, seu ex-marido soube e foi vê-la. Acabaram se reconciliando. Márcio, mesmo assim, ficou amigo dela com esperança de reatarem no futuro. Jana teve sequelas fenotípicas: manca de um pé. Outrossim, perdeu um sentido: olfato. Passado algum tempo, voltaram a se encontrar e acabaram ficando juntos. Até quando se soube, viveram bem e felizes. 
Bento Sales

Tenho carinho especial por esse conto por ter estreado com ele  aqui, no blog.

domingo, 1 de julho de 2012

Máximas do futebol

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos.



“Agora o time tem de correr atrás do prejuízo”.
Incoerência: ninguém corre atrás de prejuízo, mas, sim, do lucro. É como se corresse atrás da derrota. Pode-se até correr na frente do prejuízo, mas atrás, não há sentido. O mais correto seria dizer que o time está perdendo, por isso precisa se esforçar mais para conseguir sair do resultado negativo.

“O time foi fazer reconhecimento do campo”.
Incoerência: como alguém pode reconhecer algo se, muitas vezes, nunca o viu anteriormente? Na verdade, o time foi conhecer o campo.

“Agora para se classificar o time tem de reverter o placar do jogo”.
Incoerência: reverter é retroceder ao ponto de partida; é recuperar a posse de algo. O time que está perdendo não recupera a posse do placar, mas sim, a vantagem. A proposição mais clara seria dizer que o time em desvantagem teria de superar seu adversário em gol registrado no placar para ganhar o título ou continuar com chances.

“O time adversário está começando a gostar do jogo”.
Incoerência: creio que nenhum atleta participa de uma competição sem gostar. O certo seria dizer que o time adversário está começando a dominar a partida.

“O jogo terminou em 0 a 0”.
Incoerência: somente no futebol que 0+0 é igual a dois zeros. Na realidade, o jogo terminou com o placar de zero. Se for 1 a 1 ou 2 a 2... Tudo bem, pois cada time fez certo número gol, mas zero é neutro.

“O time perdeu muitos gols”.
Incoerência: muitas vezes, o time não fez nenhum gol. Pergunta-se: como se pode perder algo que não se tem? Na realidade, o time desperdiçou muitas chances de fazer gol.

“Em time que está ganhando, não se mexe”.
Incoerência: mexe, sim. Precisa esperar o time perder para mexer? Muitas vezes, o esquema tático e técnico fica previsível e, para continuar ganhando, é necessário fazer mudança, que poderá ser desde o jogador, esquema tático até o técnico. 

“O centroavante perdeu um gol feito”.
Incoerência: somente se perde o “gol feito” quando o juiz o anula. Mais certo seria falar que o jogador perdeu uma oportunidade ótima de fazer o gol.

“O pênalti foi mal marcado”.
Incoerência: neste caso, o pênalti foi bem marcado a ponto de o jogador ir cobrá-lo. O que ocorreu foi que o árbitro marcou o pênalti equivocadamente.

“O gol foi mal anulado”.
Incoerência: o gol foi bem anulado, tanto que não valeu; o que aconteceu é que o juiz o anulou indevidamente, erroneamente ou ilegalmente.