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sábado, 25 de agosto de 2012

O erro médico

Desenho de Taciane, minha filha com sete anos. 



              Félix era um homem sexagenário de estatura baixa, imigrante nordestino, portanto, forte e renitente. Trabalhou a vida toda na construção civil. Começou como servente de pedreiro.  Alguns anos depois, ascendeu para mestre de obra. Ao se aposentar, montou uma equipe com seus amigos, formada por pedreiro, carpinteiro, armador e ajudante. Trabalhavam como empreiteiros fazendo desde reforma de casas até prédios. Quem não o conhecia duvidava de sua capacidade e resistência. Alguns eram até maldosos nos seus comentários: “Esse velho vai morrer de enfarte ainda na fundação deste edifício”. Mas, quando começava a trabalhar, Félix se agigantava causando admiração em todos, até nos transeuntes. Tinha quatro filhos e uma filha e enviuvou na média idade. Nenhum filho quis seguir sua profissão, embora o explorassem economicamente. Vivia se queixando que eles somente serviam para “beber cachaça” e que eram indolentes.     
            Diante de um ofício que requer tanto esforço físico, adquiriu uma hérnia no baixo ventre, envolvendo até o púbis. À medida que ele se esforçava, a hérnia aumentava, porém não procurava médico, aliás, nunca fora hospitalizado nem sequer fizera um único exame em toda sua vida. Vivia falando que odiava hospital, sobretudo, consulta, por causa das dificuldades diante da burocracia e do sucateamento do sistema de saúde pública. Em virtude da saliência, a hérnia já estava à vista e ele já estava se incomodando com as perguntas de curiosos indiscretos e também com os epítetos. Seus amigos lhe confortavam dizendo que era uma cirurgia muito simples e um lhe mostrara que fizera uma e que foi bem sucedida. Como sua filha conhecia uma amiga que trabalhava no INSS, em razão disso, tudo foi facilitado e agilizado desde os exames até a marcação da intervenção cirúrgica. Diante de qualquer dificuldade, ele queria desistir, no entanto, cada dia a hérnia estava ficando mais grave: a dor contínua e sintomas de náuseas e vômitos começaram a aparecer, sinal de que estava prestes a estrangular, por isso, a cirurgia urgia; portanto, o bravo homem não tinha mais condição de trabalhar, o que para ele era mesmo o fim. Chegou o dia tão temido. Ele estava tenso. Sua filha o acompanhou. Ficou internado um dia antes da operação. Numa sexta-feira à tarde, ele finalmente foi operado. O médico avisou à filha que ele reagira bem e que o procedimento foi bem sucedido, por isso, diante de poucos dias poderia voltar para casa. Ela ficou muito alegre e confiante. Logo, logo avisou a todos os demais filhos. Estava muito ansiosa para rever seu pai assim que acordasse da anestesia, o que ocorreu horas depois e ela foi correndo ver seu genitor. Félix não se lembrava de nada e indagou para ela quando seria a operação. A filha respondera que tinha acabado de acontecer e lhe pediu para não se mexer muito. Um médico disse-lhe que segunda-feira lhe daria alta, todavia, ainda tinha que ficar em observação. Horas antes de sair do hospital, ele se queixou de que não conseguia mexer as pernas. Comunicaram ao médico, que disse que isso era devido à anestesia e que tudo voltaria ao normal a qualquer momento. Como tinha um corpo franzino, seu filho primogênito o pegou com facilidade e o colocou num táxi, seguindo para seu tão esperado lar. Empós cinco dias, ao invés de melhorar, seu estado se agravava ainda mais. Mesmo contra sua vontade, levaram-no de volta ao hospital. Chamaram o médico que o operou e logo o examinou todo e pediu uma bateria de exames urgentemente. Quando saiu o resultado, o médico ficou surpreso e assustado: durante a cirurgia, ele desviou um pouco a incisão e cortara o Nervo Ciático, nervo este que controla as articulações do quadril, joelho, tornozelo, músculos posteriores da coxa, da perna e do pé. Ficou atônito, sem saber o que dizer ou fazer. Cogitou esconder do paciente ou transferir para outro médico, mas sabia que, de posse dos exames, o colega descobriria o erro irreversível. Então deliberou comunicar ao paciente, que ainda estava consciente. Relatou tudo que acontecera para ele. Félix entendeu. 
             Não ficou com mágoa do jovem cirurgião, que lhe pediu mil e uma desculpas e o avisou que ele não escaparia desta situação. Os dois se abraçaram e choraram copiosamente, o que chamou atenção de todos, pois se sabe que os médicos têm a síndrome do Esculápio e que são insensíveis com os pacientes e até com sua morte, uma vez que o sofrimento alheio faz parte de sua rotina, de seu trabalho. Félix perdoou o jovem médico e, em seguida convocou todos seus filhos, que se reuniram em torno de seu leito de morte e lhes comunicou o erro médico. Alguns ensaiaram indignação e revolta, mas ele fez cada um lhe prometer que jamais faria qualquer coisa contra o médico. Sete dias depois, o espírito do justo Félix partiu para outro plano.

Bento Sales

domingo, 12 de agosto de 2012

Eterna lembrança

Desenho de Taciane, minha filha com sete anos.





Eu estava à espera do teu nascimento.
Teu berço tinha tudo que não tive.
Preparei o melhor lar em que se vive
Com amor, carinho e contentamento.

Mas Tânatos impediu meu portento:
Levou-te na hora que contigo estive.
Ainda sofro com a mágoa que obtive
Por ires tão angélico ao firmamento.

E ao chegar à morada de Hades tétrico,
Foi hospedado pelo fâmulo hostil,
Que  conduziu a teu quarto tautométrico.

E assim, lançando-te na face a terra,
Ele sequer dó ou angústia sentiu
Mesmo vendo que tua luz no espaço erra.

Bento Sales

Fiz este poema para meu sobrinho falecido aos três dias de nascido há treze anos. 

sábado, 4 de agosto de 2012

Não me deixe



Essa foi a primeira música (já tenho três gravadas por ela) que fiz para ajudar a carreira de cantora de minha amiga, Mary Cristina. No vídeo, ela canta outra música. Não tenho vídeo dela cantando “Não me deixe”. Segundo ela, já vendeu cerca de oito mil cópias como produção independente, no entanto, nunca recebi nada, pois não compus a letra com esse fim. A melodia é dela (não entendo disso). Já contei a história de como comecei a escrever música. Se alguém quiser saber, é só acessar aqui Seguindo meu caminho. Ela teve de modificar o poema para se adequar à melodia. Ela gostou tanto que pôs a música como título do CD.



Ah, não me deixe, meu amor,
Essa paixão começou
Com amor à primeira vista.
Peço por favor
Que  de  mim nunca desista.
Quando eu lhe conheci,
Meu coração disparou
Eu toda me tremi.
Foi uma conquista,
Foi amor à primeira vista.
Um grande amor não se acaba assim,
Suplico por você e por mim
Que a tudo resista
Porque não é amor de revista,
Com você eu me sinto uma Cinderela.
Não renuncie ao nosso amor
Não é amor de novela.
Duvido que amor maior exista.
Ah,não me deixe, meu amor.

Bento Sales e Mary Cristina.